Ontem falaram para o palhaço se ele tinha alguma filosofia eu disse que sim, obvio e ele perguntou - Qual?- e eu disse - a barata.
Um pouco de "filosofia barata" Vou aproveitar essa discussão em torno da possibilidade ou não de indeferimento de registro de candidatura de políticos que estejam respondendo a processos criminais para desenvolver uma “filosofia barata” do direito, tentando explicar como funciona o (meu) raciocínio jurídico.
A premissa básica que está por detrás de todo o meu pensamento jurídico é o seguinte: o direito é instrumento de poder com forte conteúdo ideológico.
Essa constatação - polêmica para uns, óbvia para outros - dificulta a busca de uma explicação “científica” de muitas soluções, leis e precedentes jurídicos. No final das contas, o direito é, em grande medida, um ato de força (força aqui entendida no sentido de poder de influência e de persuação e não de força física). Achar uma “razão científica” em toda decisão judicial é, de certo modo, uma ilusão. É meio como perguntar porque uma pessoa torce para o Flamengo e não para o Vasco.
Mas ao mesmo tempo, por mais paradoxal que seja, também acho que a atividade do jurista deve seguir uma metodologia racional, uma justificação plausível, “cientificamente” demonstrável, capaz de convencer um público minimamente inteligente. Isso se dá por meio da argumentação jurídica.
Pois bem.
Para se chegar a uma argumentação jurídica “objetiva”, ou seja, baseada em valores compatíveis com o ordenamento jurídico e não em meras preferências pessoais “subjetivas”, o jurista segue um caminho que necessariamente começa com uma fase introspectiva, intuitiva, inconsciente, meio irracional mesmo…
É o tal do “sentimento de justiça”, que qualquer ser humano possui (sentença = sentire = sentimento). Parece-me justo que uma pessoa portadora de deficiência que não tenha como sobreviver por conta própria receba uma ajuda financeira do Estado para minorar seu sofrimento e melhorar sua qualidade de vida. Parece-me justo que o pai seja obrigado a cuidar do filho. Parece-me justo que uma pessoa que, arbitrariamente, tira a vida da outra seja punida. Parece-me injusto tratar de modo diferente duas pessoas que estão na mesma situação. Parece-me injusto maltratar outras pessoas ou causar sofrimento desnecessário. Parece-me injusto não respeitar a opinião alheia. E por aí vai…
O sentimento de justiça é um sentimento meio abstrato e, por isso mesmo, difícil de explicar em palavras. Afinal, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, como diria Pascal.
E aí reside toda a complexidade da tarefa jurídica, pois o papel do jurista é precisamente tentar transformar esse sentimento de justiça (intuitivo/sensitivo/emocional) em um discurso racional, fundamentado em normas jurídicas estabelecidas no ordenamento, que possa ser aceito pelo maior número de pessoas.
Depois de quase oito anos de magistratura, passei a adotar o seguinte método para chegar a uma solução justa (sob meu ponto de vista) e, ao mesmo tempo, compatível com o ordenamento jurídico para os casos difíceis que tenho que enfrentar.
Primeiro, assumo, de forma transparente, o meu “pré-conceito” em relação ao assunto a ser decidido. Melhor dizendo, tento “intuir” qual a solução que me parece mais justa para aquele caso. E mais: parto do princípio de que o meu “feeling” está correto. É uma técnica meio arbitrária e até mesmo arrogante, mas, conforme se verá no passo seguinte, no final das contas, não deixa de ser interessante, pois minha mente trabalhará contra essa tese na fase racional do processo discursivo.
Depois, já numa fase posterior menos “íntima”, mais “fria”, começo a analisar todos os argumentos que podem derrubar o meu sentimento de justiça (”feeling”). O ideal seria tentar ser o mais “neutro” possível nessa fase. Mas não dá. O nosso “feeling” acaba interferindo tanto no método quanto no resultado dessa investigação.
Mesmo assim, procuro fazer, muitas vezes, o papel de “advogado do diabo” contra mim mesmo, até mesmo para criar novos argumentos que podem derrubar minha opinião inicial. Particularmente, sou bom nisso, conforme se verá no caso da presunção de inocência versus direitos políticos. Consigo ser, em alguns casos, melhor do que meus “adversários” e às vezes me surpreendo com minha capacidade de desenvolver bons argumentos que podem me derrubar! Seguindo à risca a “ética do discurso“, o jurista teria a obrigação de explicitar esses argumentos, “entregando o ouro pro bandido”. Mas nem sempre isso ocorre na prática forense, pois, no direito, os debatedores estão quase sempre em situação de completo antagonismo, em posições inconciliáveis, de forma que “entregar o ouro para o bandido” acaba sendo uma péssima estratégia argumentativa. Logo, a “ética do discurso” se transforma em uma “teoria dos jogos”, como no famoso “dilema do prisioneiro“. O melhor é sempre “cooperar”, a menos que o adversário não pense assim… Como o juiz está numa posição “imparcial”, deve seguir a ética do discurso o mais fielmente possível, como critério de legitimação da sua atividade.
sábado, 20 de dezembro de 2008
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